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O MORCEGUISMOS é um espaço inteiramente dedicado aos morcegos e pretende ser um veículo de divulgação e sensibilização. Neste espaço cabe a divulgação de projectos em curso ou concluídos, notícias, e actividades diversas.

Para além disso pretende-se que contribua para uma aproximação do público a este grupo faunístico, e que este público tome parte no aumento do conhecimento sobre morcegos em Portugal, nomeadamente através da informação sobre abrigos de que tenham conhecimento.

No futuro pretende-se ainda criar uma linha de apoio a qualquer assunto relacionado com morcegos, como seja o socorro de morcegos encontrados feridos ou a perturbação de abrigos, entre outros.

Espera-se desta forma dar um contributo importante para a conservação das espécies de morcegos portuguesas.

21 de julho de 2009

A porta do castelo abriu-se à noite

Já aqui tínhamos chamado a atenção para uma empresa com um conceito inovador, chama-se Natuga e continua a dar que falar!

Público (Caderno P2) de 21 de Julho de 2009

Nicolau Ferreira

Morcegos no Castelo não é um título de um conto de terror. É o nome das noites de Verão no Castelo de São Jorge. Há morcegos, gatos pretos e biólogos que explicam a vida destes mamíferos e ensinam a identificar as espécies que se vêem. Mas é preciso estar atento. Vale a pena levar um casaco para esta aventura que começa no lusco-fusco.

A noite cai devagar no Castelo de São Jorge. Às 20h30, ainda há luz no horizonte, com o vermelho da Ponte de 25 de Abril a brilhar e o rio Tejo a reflectir os últimos raios de sol. Mas é dentro das ameias que a acção começa.

O percurso do primeiro bater de asas errático surge de um pinheiro, abrindo a actividade diária da caça ao insecto que dura cerca de duas horas, o tempo da visita. Os únicos mamíferos voadores da Terra tomam conta de um castelo silencioso, fazendo as delícias de quem tem um fascínio especial pelo imaginário dos filmes de terror sobre vampiros, pelos contos de Edgar Allan Poe, pelo sobrenatural.

Mas o interesse no fantástico é apenas um pormenor, a visita está aberta a quem gosta da natureza, de ambientes históricos. Ou a quem vai à procura do inesperado, de ter uma experiência dois em um, nocturna, num contexto urbano, no meio da malha das luzes que compõe a noite de Lisboa, na cúpula de uma das suas colinas onde os morcegos não se cansam de voar.

"Olhem para isto, é um festim, é um banquete", disse Sofia Lourenço, em frente ao Castelejo, a estrutura maior do Castelo de São Jorge. Na frente da parede principal iluminada, viam-se inúmeras sombras a passarem sem direcção aparente, cruzadas, caóticas. A bióloga, com a ajuda do aparelho para a leitura dos ultra-sons, e com os anos de experiência de campo, atirou um número: "Devem ser entre uns 30 ou 40". Os morcegos estavam entretidos na sua primeira refeição da noite. Logo a seguir ao pôr-do-sol, os mamíferos saem das suas moradas - candeeiros, árvores, pedregulhos, buracos, interstícios ou fendas nas ameias, tudo o que um castelo possa oferecer - e caçam o máximo de insectos que conseguem.

Voar é uma actividade que gasta muita energia, explica a bióloga, por isso não pode ser mantida durante toda a noite. Há uma primeira investida, depois voltam para as suas cavernas, e mais ao final da madrugada voltam à caça para mais uma refeição.

A frente do Castelejo era o local onde havia mais actividade e muito ruído, segundo o aparelho. Os morcegos emitem ultra-sons inaudíveis para os humanos, e servem-se da ecolocação para detectarem as presas. As ondas sonoras que embatem nos mosquitos, moscas e moscardos que polvilham os céus são reflectidas, voltam para trás e são ouvidas por eles. O seu sistema de audição é capaz de formar um mapa de tudo o que se passa à sua volta a partir destas ondas. Depois, basta rapidez, coordenação e abrir a boca no momento certo. Este sistema permite aos morcegos desviarem-se dos objectos.

"Uma vez pusemos uma rede de nylon para apanhá-los e via-se eles fazerem um arco e passar por cima da rede", explicou ao P2 Sofia Lourenço, que tirou a licenciatura na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Por isso o medo que existe de se acabar a noite com um embrenhado nos nossos cabelos é infundado, garantiu a especialista. Há quem defenda, por precaução e para não haver sustos, que um chapéu na cabeça nunca é de mais.

Ambiente urbano

Mas à noite, o que o espaço histórico pede é um casaco por causa do vento, e os olhos atentos. "O Castelo de São Jorge é um monumento complexo com locais diferentes que podem ter várias espécies de morcegos", disse Joaquim Reis. O biólogo e Sofia Lourenço fazem parte da equipa da Natuga, uma empresa que propõe actividades para quem goste de visitar património natural e cultural. O Morcegos no Castelo aglutina os dois conceitos e servese de um contexto urbano para oferecer uma experiência que, à partida, só se espera viver em locais mais selvagens.

Todos os morcegos europeus são insectívoros, frisa Sofia Lourenço, para afastar da mente das pessoas as três espécies que sugam sangue e dão uma conotação de horror a esta ordem de mamíferos. Em Portugal, estão registadas pouco mais de 20 espécies. Conhece-se mal a distribuição e a ecologia destes mamíferos, a pesquisa que fundamenta o estatuto das espécies que vem no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal está longe de ser completa, adianta Sofia Lourenço: "Agora já há umas pessoas a estudar morcegos, mas há muito trabalho para fazer: onde vivem, se são raros, a própria ecologia".

As espécies que migraram para as cidades estão bem adaptadas, mantêm os mesmos hábitos comportamentais e são uma mais-valia para a ecologia das cidades. "Os morcegos não são perigosos", explica a bióloga, "e têm um papel muito importante no ecossistema: um morcego pode comer metade do seu peso em insectos por noite, funcionando como pesticidas naturais".

Para o castelo, os biólogos trouxeram dois detectores de ultrasons, muitas lanternas pequenas para se pôr na cabeça, e várias cópias de uma folha com fotografias das espécies que podem existir na cidade. Por baixo de cada fotografia está o intervalo de ultra-sons que o morcego emite. A forma mais expedita para identificá-los no campo é utilizar o aparelho para detectar as ondas e apanhar as emissões dos indivíduos que nos rodeiam. O aparelho transforma as ondas em taques-taques audíveis, com variações nas notas e na frequência. Quando os taquestaques passavam a tac-tac-tac, com uma frequência maior e mais compassada, era porque um mosquito estava prestes a ser comido. O aumento de frequência na emissão serve para dar informação mais detalhada, que é essencial quando o mamífero se aproxima da presa.

No recinto do monumento, o morcego-anão ganhou em termos de abundância. O Pipistrellus pipistrellus tem um corpo com menos de cinco centímetros, uma envergadura que pode ir até aos 25 centímetros e é bastante comum. Mas o morcego-rabudo e o morcego-pigmeu também estavam presentes.

A equipa ainda não conhecia os locais favoritos dos mamíferos para caçar nem os possíveis ninhos, é o primeiro ano desta actividade. Provavelmente, no final de Setembro, quando as visitas terminarem, já terão mais informação sobre a fauna existente no castelo. O monumento já tinha aberto a porta uma única vez, há cinco anos, durante a Noite Europeia dos Morcegos, que, segundo Susana Serra, que trabalha na organização responsável pelas actividades do castelo, teve bastante sucesso. Por isso, quando a equipa do Natuga propôs estas noites, a organização foi receptiva. "Achamos que é outra forma de mostrar o monumento", disse Susana Serra.

Em Lisboa não faltam locais para habitais de morcegos. Prédios devolutos, jardins ou até salões abandonados de museus, são lugares onde facilmente se encontram ninhos*, exemplificou Joaquim Reis. Há espécies que se adaptam bem à cidade. Para Sofia Lourenço, o que a atrai nestes animais é o facto de serem tão complexos, com ecolocação, sistemas sociais. Mesmo os mais pequenos alcançam uma vida bastante longa: "Há espécies que vivem 30 anos".

Durante a visita, na Praça de Armas, no Jardim Romântico e principalmente junto ao Castelejo onde as luzes laranja iluminavam tudo, os morcegos não pararam de cortar o ar em zigue-zagues rápidos, a contra-luz, com movimentos impossíveis de serem adivinhados. Pelo terreno viam-se dois ou três gatos com ar saudável, um deles tinha cor preta. Eram da vizinhança, explicou Susana Serra. Mas, com o apoio de anos de trabalho e de observação, Sofia Lourenço teorizou outra explicação: "Os gatos gostam muito de morcegos". Qualquer que fosse o motivo, o castelo, os gatos e os morcegos compunham a noite.

Morcegos no Castelo
Lisboa, Castelo de São Jorge
24 e 31 de Julho
1, 7, 8, 14, 15, 21 e 22 de Agosto
4, 5, 11, 12, 16, 19, 25, 26 de Setembro
Bilhetes: 15 euros. Grátis para crianças até aos dez anos. Reservas: 21880 0620

Mais informações em Natuga


* Quando falamos de morcegos é mais correcto utilizar o termo abrigos

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