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O MORCEGUISMOS é um espaço inteiramente dedicado aos morcegos e pretende ser um veículo de divulgação e sensibilização. Neste espaço cabe a divulgação de projectos em curso ou concluídos, notícias, e actividades diversas.

Para além disso pretende-se que contribua para uma aproximação do público a este grupo faunístico, e que este público tome parte no aumento do conhecimento sobre morcegos em Portugal, nomeadamente através da informação sobre abrigos de que tenham conhecimento.

No futuro pretende-se ainda criar uma linha de apoio a qualquer assunto relacionado com morcegos, como seja o socorro de morcegos encontrados feridos ou a perturbação de abrigos, entre outros.

Espera-se desta forma dar um contributo importante para a conservação das espécies de morcegos portuguesas.

22 de outubro de 2008

Torpor & Hibernação

Este é um post longo que aborda um assunto complexo e nem sempre consensual. Com ele pretende-se esclarecer um pouco os mecanismos de hibernação e de torpor, colocando lado a lado dois conceitos cuja distinção nem sempre é fácil de compreender.

Para quem trabalha com morcegos a redução na actividade durante mês de Outubro já não é uma novidade. Em Portugal considera-se que o período de hibernação de morcegos se estende desde Outubro a Março, embora seja mais notório de Novembro a Fevereiro.

Para este artigo foram utilizadas duas fontes Bats Biology and Behaviour (John D. Altringham) e The Biology of Bats (Gerhard Neuweiler), no entanto outros autores poderão apresentar diferentes perspectivas e definições. Pretende-se que este artigo seja de fácil compreensão e acessível a todos, pelo que é importante perceber que este assunto não se esgota nestas linhas.


Contribuições para uma continua melhoria destes conteúdos serão muito bem acolhidas.

Torpor

Quando a temperatura ambiente desce abaixo da zona termoneutral, os morcegos podem decidir se vão utilizar as suas reservas energéticas para manter a sua temperatura corporal normal, ou se vão permitir que esta cai-a para um nível próximo ou igual à temperatura ambiente, entrando desta forma num período de letargia diurna, ou torpor, que permite minimizar as necessidades energéticas. Esta decisão pode depender não só da temperatura ambiente, mas também da quantidade de alimento disponível ou do estado reprodutivo. Por este motivo é possível, numa mesma colónia, encontrar indivíduos activos e letárgicos. O abaixamento da temperatura é lento e controlado, não flutua livremente com a temperatura do ar e é mantido entre limites estreitos. Se a temperatura do ar atingir níveis demasiado baixos, o indivíduo em torpor irá consumir alguma das suas reservas acumuladas para fornecer a energia necessária para impedir que o seu corpo fique demasiado frio

Morcegos em homoeotermia, por não terem reservas energéticas suficientes, necessitam de uma ingestão diária de alimento. Nos morcegos insectívoros, a escassez temporária de alimento pode induzir o torpor mesmo quando a temperatura ambiente é elevada.
Durante o torpor os morcegos entram num padrão de respiração arrítmico durante o qual períodos de apneia alternam com breves ventilações, temperaturas baixas resultam no aumento da duração dos períodos de apneia. A apneia permite não só reduzir a taxa excessiva de trocas gasosas, mas também minimizar significativamente as perdas de água por evaporação.

O torpor é uma característica dos morcegos insectívoros, o que tem a ver não só com o seu reduzido tamanho, mas também com a efemeridade do seu alimento. Embora possam existir algumas excepções, que não têm tanto a ver com as espécies mas com as condições do ambiente envolvente, pode dizer-se que morcegos de maiores dimensões (como os morcegos frugívoros) têm menor apetência para entrar em torpor.

Em áreas geográficas onde possam existir extensos períodos de tempo frio mesmo durante o Verão, o desenvolvimento das crias pode ser ameaçado, visto que estas necessitam de manter a temperatura do corpo em níveis normais. Contudo, nestes períodos mais frios, a disponibilidade de insectos diminui, e o leite materno deixa de ser suficiente. Em resposta a estas condições as mães não aquecem as suas crias, em vez disso abandonam temporariamente a colónia de criação. Desta forma, as crias, e presumivelmente as mães no seu abrigo alternativo, diminuem a temperatura do corpo e entram num estado de torpor, o que possibilita que ambos minimizem o consumo de energia. Quando termina o período frio as mães regressam à colónia de criação. Esta é uma estratégia que, embora possa parecer cruel, permite diminuir significativamente a taxa de mortalidade entre as crias.


Hibernação

Normalmente os morcegos não hibernam continuamente, podendo estar mais ou menos activos durante um Inverno ameno. Segundo Altringham (1996) a hibernação pode ser vista como uma extensão do torpor no tempo, podendo durar dias, semanas ou meses, e que ocorre sasonalmente em resposta a uma diminuição prolongada da temperatura ambiente ou do alimento disponível.

Baseado nas condições em que cada um dos processos ocorre, Neuweiler (2000) sugere uma clara separação. Segundo este autor a hibernação exige um período de tempo de preparação, durante o qual os morcegos armazenam reservas de gordura, podendo migrar com o objectivo de encontrar um abrigo apropriado para passarem o Inverno. Os próprios ciclos reprodutivos dos morcegos são determinados pela hibernação, por este motivo não é só a temperatura que conduz à hibernação, mas sim todo um ciclo anual iniciado pelo processos biológicos do animal.

Durante a hibernação os morcegos penduram-se imóveis em tectos, fissuras, ou buracos de árvores. Desde que a temperatura do abrigo se mantenha ligeiramente acima da temperatura de congelamento, os morcegos mantêm a temperatura corporal pouco acima da temperatura ambiente, não baixando, normalmente, dos 6ºC. Nestas circunstâncias o consumo de oxigénio, assim como o batimento cardíaco, baixam significativamente, e praticamente toda a energia utilizada tem passa a ter origem no metabolismo da gordura. Ao mesmo tempo o animal sofre diversas alterações internas, como a diminuição de volume de alguns órgãos e quebra de tecidos.

Na hibernação o balanço de sais e água mantém-se inalterado e, aparentemente, a reduzida quantidade de água produzida durante o metabolismo é suficiente para compensar a perda por evaporação. Neste processo a produção de urina diminui para cerca de 1% do volume produzido quando em actividade. O metabolismo não é apenas abrandado, com baixas temperaturas é também suprimido de forma activa, e é esta capacidade dos morcegos que parece ser a chave para uma hibernação prolongada. Contudo o mecanismo responsável por esta supressão está ainda por deslindar, havendo apenas especulações.

Curiosidade: um morcego com cerca de 13g consegue hibernar durante um mês inteiro com apenas 100mg de gordura acumulada.

Referências
Neuweiler, G. (2000). The Biology of Bats. Oxford University Press. New York.
Altringham, J. D. (1996). Bats Biology and Behaviour. Oxford University Press. New York.

1 comentário:

basílio disse...

olá, meu nome é basílio guerreiro e trabalho com morcegos e seus ectoparasitas, mas me interesso por qualquer assunto que envolva estes bichos tão curiosos. seu artigo é muito bom e descreve muito bem torpor e hibernação, além de deixar bem clara a diferença entre eles.


abraço.


e-mail: basilioguerreiro@yahoo.com.br